Há cerca de cinco anos, o mercado editorial brasileiro recebeu de braços abertos o lançamento do "VIPs - Histórias Reais de um Mentiroso", escrito pela jornalista Mariana Caltabiano. No livro, um tanto mal escrito, mas que permaneceu por um bom tempo na lista dos mais vendidos, a autora incorporava a voz de Marcelo Nascimento da Rocha, picareta de marca maior, que ficou famoso após passar a perna em um punhado de famosos, como a atriz Carolina Dieckmann, o cigano-ígor Ricardo Macchi e o colunista social Amaury Júnior.
Agora, chega aos cinemas uma nova versão da história, adaptada pelo estreante diretor Toniko Melo, chapa de Fernando Meirelles e responsável pela minissérie global “Som e Fúria”. “VIPs”, assim como seu companheiro impresso, não faz jus à trajetória folclórica do pilantra e sofre um bocado por ser raso, dar pouco valor à personalidade do protagonista e valorizar demais alguns fatos sem importância, enquanto deixa de lado vários dos acontecimentos marcantes na vida do seu personagem principal. Tal problema é até mesmo citado pelo diretor, que em entrevistas, dá a desculpa de que sua história é ficcional, apenas baseada na de Rocha.
“VIPs” tem como protagonista Wagner Moura, ator de talento reconhecido e que — é sempre perceptível — trabalha com uma dedicação pouco vista atualmente. Nesse filme, entretanto, as qualidades do baiano (que ainda briga com o sotaque soteropolitano) são pouco aproveitadas, o que acaba limando uma boa parte do potencial do longa. O primeiro ato da fita, por exemplo, insere o ator em uma série de situações constrangedoras, sendo a mais doída sua interpretação, aos 34 anos, de um garoto com exatamente a metade da sua idade. Some-se a isso um penteado ridículo e falas sem sentido, e temos uma ideia da missão complicada do ator para vencer a introdução sofrível.
O roteiro assinado por Thiago Dottori e pelo consagrado Braulio Montovani é, talvez, o ponto mais fraco “VIPs”. Os dois autores investem na história de Marcelo superficialmente, apesar de a mesma ser rica em vários acontecimentos que não chegam a ser citados na produção. Essa inexplicável escolha dos roteiristas se mostra errada, já que constroem um jovem protagonista doente, que assume a posição de três ou quatro personagens inventados, a partir de situações inesperadas. O desperdício de potencial para a história fica evidente, já que Rocha é um mau caráter e cara-de-pau, que elaborou mais de 20 identidades, tendo vivido como integrante da tropa de elite da polícia paranaense, olheiro da Seleção Brasileira, guitarrista dos Engenheiros do Havaí, repórter da MTV e fiscal da Receita Federal, entre vários outros. Em “VIPs”, Montovani e Dottori preferiram dar valor exclusivamente a dois eventos na vida de Rocha: seu envolvimento com o narcotráfico e o famoso golpe no qual fingiu ser filho do dono da empresa aérea Gol.
Mas ainda assim o filme tem momentos interessantes, principalmente quando Moura tem a oportunidade de exercitar seu talento humorístico. Cenas como a do interrogatório na Polícia Federal, quando Marcelo “delata” o próprio personagem que vivia na época e diz que “era um cara bonito”, são hilárias. As passagens como filho do dono da Gol, da mesma forma. Não dá pra negar que Mello soube mostrar com elegância que, apesar do talento e do carisma do bandido, os artistas e empresários enganados pelo picareta só se deram mal porque se aproximaram dele querendo algum benefício. Amaury Júnior, um desses, inclusive faz uma participação no filme e revive uma das vergonhosas entrevistas que fez com o rapaz.
No fim das contas, “VIPs” decepciona por não apresentar o que anuncia na própria arte do seu cartaz, que é mostrar as várias faces assumidas por Marcelo. A história cativante, que leva as pessoas ao prazer de ficar do lado do bandido, principalmente quando algumas de suas vítimas são celebridades antipáticas, não é contada e o longa vira apenas uma história mal desenvolvida sobre um pilantra nem tão talentoso assim.
Assista ao trailer de "VIPs":
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