domingo, 10 de junho de 2012

De onipresente a quase virtual, o câncer transformou Hugo Chávez

De onipresente a quase virtual, o câncer transformou Hugo Chávez
De presidente onipresente no controle de cada detalhe do governo ao chefe de Estado quase virtual que delega funções, Hugo Chávez sofreu uma metamorfose desde que foi operado há um ano de um câncer, doença que acentuou seu lado espiritual, mas não alterou seu discurso beligerante, nem sua confiança em uma nova vitória eleitoral.

Embora tenha intensificado as aparições públicas desde que chegou em 12 de maio de Cuba, onde concluiu o último ciclo de radioterapia, Chávez, de 57 anos, teve uma mudança de estilo quando confessou recentemente que deixou de ser "o cavalo desbocado" que falava por horas na mídia e presidia atos onde quer que fosse.

"A mudança fundamental que a população, e especialmente os opositores, sentem é uma espécie de descanso diante da evidência de que a onipresença que tem caracterizado seu mandato" desapareceu, explicou à AFP o sociólogo Tulio Hernández, acadêmico da Universidade Central da Venezuela.

Chávez viveu o último ano entre Caracas e Havana, onde passou mais de cem dias para se tratar de um câncer cuja localização e gravidade exatas são desconhecidas. Após se submeter a ciclos de quimioterapia, o presidente deu por superada a doença em outubro, mas uma recorrência, em fevereiro passado, o levou de volta ao centro cirúrgico.

Desde então, o presidente governa ao ritmo de "tweets", recusando delegar funções ao vice-presidente, embora tenha passado o bastão aos seus ministros em inaugurações de fábricas, encontros internacionais ou atos multitudinários. Os membros do gabinete tomam o cuidado de, em cada ocasião, destacar que falam "em nome do comandante Chávez".

Para o cientista político Farith Fraija, nesta conjuntura, Chávez "está alavancando" sua revolução socialista contando com as lideranças intermediárias dentro do gabinete e os dirigentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, situação).

"Diante da ausência do presidente Chávez, tem sido demonstrado que, sim, há líderes alternativos", destacou à AFP este professor do Instituto de Altos Estudos de Controle Fiscal e Auditoria do Estado.

Mas a possibilidade de deixar um sucessor - os boatos apontam para o vice-presidente Elías Jaua ou o chanceler Nicolás Maduro, entre outros - é um tema tabu nas fileiras do chefe de Estado, que confia em vencer por "nocaute" as eleições presidenciais de 7 de outubro, para as quais se inscreverá formalmente na segunda-feira.

Apesar de ausente, Chávez continua liderando todas as pesquisas de opinião frente ao seu rival nas urnas, o ex-governador Henrique Capriles Radonski.

No primeiro sinal visível de mudança, Chávez substituiu seu lema de "pátria socialista ou morte" por outro, mais otimista, "viveremos e venceremos", que faz menção tanto à sua luta pessoal contra o câncer quanto às eleições, nas quais tentará se eleger para um terceiro mandato consecutivo de seis anos.

Para Robert Lespinasse, presidente da Sociedade Venezuelana de Psiquiatria, a palavra de ordem poderia ir de encontro às "superstições" e aos "elementos mágicos da forma de pensar" do presidente venezuelano, um ex-militar que por anos desconsiderou os check-ups médicos.

Um Chávez fervoroso tem presidido, nos últimos meses, cerimônias de curanderia e atos ecumênicos por sua saúde, mas o ponto culminante ocorreu em abril, quando caiu em prantos, pedindo a Deus que o mantenha vivo porque ainda "restam coisas a fazer".

"Tem tentado se mostrar um homem ativo, tranquilo, em boas condições físicas, mas se analisarmos a realidade do que se pode perceber, qualquer pessoa com essa doença já deve ter um quadro depressivo", explicou Lespinasse à AFP.

"Cada vez que se apresenta a uma disputa, se atira de alma, vida e coração, mas agora não pode fazê-lo (...) Percebe a dificuldade de conseguir o que antes conseguia muito facilmente", acrescentou.

No entanto, a deterioração física causada pela doença não o impediu de dirigir fortes ataques verbais a seus opositores.

Em várias ocasiões, Chávez qualificou de medíocre e porco o adversário Capriles, a quem acusa de ser a encarnação da burguesia, do imperialismo e do capitalismo.

"Não há um só gesto de humildade e de reconhecimento da oposição", observou Hernández.

Segundo Fraija, "vemos um presidente um pouco mais agressivo" que "tem combinado elementos de polarização com a parte emocional" do povo, uma estratégia que tem rendido êxitos ao carismático líder junto às majoritárias classes humildes da Venezuela.

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