Polan Lacki
Os produtores rurais do Brasil e da América Latina necessitam “abrir os olhos” e adotar algumas medidas muito concretas para deter, e oxalá começar a reverter, a crescente quantidade de intermediários instalados nas cadeiras agroalimentares, alguns necessários, porém outros absolutamente prescindíveis. Esta excessiva intermediação é o principal motivo pelo qual os agricultores necessitam vender cada vez mais sacas de milho e de soja para comprar a mesma quantidade de rações balanceadas ou de outros insumos industrializados. Com o intuito de ilustrar esta afirmação, vejamos quais são alguns dos "passeios" que ocorrem nas mencionadas cadeias e quem são os "sócios" que estão apropriando-se da maior "fatia" das riquezas que os agricultores produzem em suas propriedades:
Primeira etapa - um empresário importa ou fabrica os insumos para a produção agrícola (fertilizantes, herbicidas, inseticidas, etc.); geralmente o faz em um grande centro industrial muito distante dos municípios nos quais estes insumos serão utilizados pelos agricultores;
Segunda etapa - um intermediário do referido centro industrial adquire esses insumos do fabricante, os transporta e os vende aos comerciantes do município no qual residem e produzem os agricultores;
Terceira etapa - esses comerciantes locais os vendem aos produtores rurais, os quais utilizam esses insumos para produzir, entre outros itens, os ingredientes com os quais as indústrias fabricam as rações balanceadas (milho, sorgo, alfafa, soja, girassol, algodão, etc.);
Quarta etapa - outro intermediário desse município rural compra estes ingredientes dos agricultores (sem nenhum valor agregado), os transporta e os vende a uma grande agroindústria, em muitos casos localizada a centenas de quilômetros de distância, que os transforma em rações e concentrados para a alimentação animal;
Quinta etapa - um novo intermediário adquire do fabricante essas rações balanceadas, as transporta de volta - muitas vezes ao mesmo município do qual saíram seus ingredientes - as vende aos comerciantes do município e estes, por sua vez, as vendem aos produtores rurais os quais as utilizam para alimentar suas vacas leiteiras, seus suínos e suas aves;
Sexta etapa - esses agricultores produzem e logo vendem o leite "in natura", os suínos e as aves vivas a um intermediário, quem os transporta e os vende, em muitos casos, a uma distante indústria frigorífica ou láctea;
Sétima etapa - essa indústria os transforma em produtos elaborados (queijos, iogurtes, doce de leite, manteiga, carnes fracionadas e temperadas, linguiças, salsichas, patês, presuntos, bacon, etc.) e os vende aos maioristas dos grandes centros de consumo, que, por sua vez, os revendem aos supermercados e aos armazéns das periferias urbanas; e estes, finalmente, os vendem aos consumidores.
Os agricultores produzem as riquezas, mas... não "colhem" os frutos do seu trabalho
Muitos produtores rurais nem percebem que na maioria das etapas recém descritas ocorre um longo "passeio", dos insumos que adquirem e/ou das colheitas e animais vivos que vendem. E que em cada um desses passeios, intervém os seguintes "sócios" dos agricultores que evidentemente cobram pela execução de seus serviços: o intermediário que financia e realiza a transação comercial, o caminhoneiro que transporta os produtos, o governo que cobra os impostos, a concessionária da rodovia que cobra os pedágios etc. Adicionalmente os agricultores não se dão conta de que quase todas as despesas geradas por esses "passeios" e pelas remunerações dos mencionados "sócios", direta ou indiretamente, são deduzidas/descontadas da renda que poderia e deveria pertencer principalmente aos produtores rurais; entre outras razões porque são eles os que mais trabalham, mais arriscam e, especialmente, porque são eles os verdadeiros geradores dessas riquezas.
O objetivo deste artigo é demonstrar que os produtores rurais não têm motivos insuperáveis/intransponíveis para continuar aceitando, com passividade, fatalismo e resignação, essa injusta distorção. Eles mesmos poderiam reduzi-la e até revertê-la, pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, porque várias dessas despesas automaticamente deixariam de existir se os produtores rurais se organizassem em grupos solidários e executassem, eles mesmos, (em suas propriedades e/ou comunidades) algumas das etapas do agronegócio que atualmente estão sendo executadas pelos agroindustriais e pelos intermediários (nos longínquos centros urbanos ou pólos industriais). Se o fizessem, eliminariam, em grande parte, os "sócios” prescindíveis e os "passeios" desnecessários, e se apropriariam eles, e não os intermediários, de uma fatia mais justa das riquezas que produzem em suas propriedades.
Em segundo lugar, porque para atingir o objetivo de excluir do circuito econômico alguns dos "passeios" e "sócios" anteriormente descritos, os agricultores poderiam adotar algumas medidas simples, porém muito eficazes, como, por exemplo, as seguintes...
...Soluções inteligentes que custam pouco, mas rendem muito
1) Tornar-se muito menos dependentes dos sócios financeiros (bancos e usuários), ao reconverter, diversificar e escalonar a produção para gerar renda ao longo do ano (e não uma ou duas vezes ao ano). Idem ao juntar-se com seus vizinhos para adquirir e utilizar, em forma grupal ou associativa, aqueles equipamentos de mais alto custo, tais como: semeadeiras, colheitadeiras, secadoras e extrusoras de grãos, trituradoras e misturadoras dos ingredientes de suas próprias rações, etc. Porque a reduzida escala de produção da grande maioria dos produtores rurais, economicamente não justifica que cada um deles se endivide excessivamente apenas para ter a satisfação de possuir maquinaria individual para utilizá-la exclusivamente em sua propriedade. Esse individualismo dos agricultores é muito conveniente às grandes empresas que fabricam essa maquinaria e que proporcionam um muito eficaz treinamento aos seus representantes e vendedores para que saibam convencer os agricultores a adquiri-las em forma individual. Porém este individualismo é altamente prejudicial para o bolso dos pequenos agricultores, porque os conduz a um irracional e excessivo endividamento, a pagar juros desnecessários e a manter esta maquinaria em um evidente estado de ociosidade ou subutilização.
2) Eliminar, paulatinamente, alguns dos "passeios" que ocorrem e alguns "sócios" que atuam antes do plantio como por exemplo: os abusivos impostos governamentais que, em muitos casos, os agricultores poderiam deixar de pagar (sem cometer nenhum ato ilícito), os lucros dos intermediários, os fretes, os pedágios e em muitos casos as "mordidas" dos fiscais e policiais rodoviários. Poderiam eliminá-los fazendo algo tão elementar e sensato como o seguinte:
a) em vez de vender os ingredientes das rações balanceadas que produzem nas suas propriedades, ao primeiro intermediário (soja, milho, sorgo, alfafa, girassol, etc.), o qual posteriormente os transporta a um longínquo centro industrial para serem transformados em rações industrializadas, os agricultores organizados em grupos solidários poderiam preparar estas rações em suas propriedades e/ou comunidades. Com tal propósito, cada grupo solidário poderia adquirir e utilizar em conjunto um triturador para esses ingredientes, uma balança e uma misturadora. Depois de adotar esta primeira etapa de experiência associativa bem sucedida e de fortalecer a confiança entre seus membros, o grupo poderia adquirir uma máquina extrusora de grãos para eliminar os fatores anti-nutricionais que estão presentes em alguns dos ingredientes com os quais se fabricam as rações (grãos de soja, sorgo e algodão) e, posteriormente, inclusive preparar seu próprio núcleo ou premix. E, depois de concluída a preparação dessas rações caseiras ou "auto-produzidas", sem ter efetuado as longas, caras e desnecessárias viagens (uma de ida para transportar os ingredientes e outra de volta para transportar as rações já industrializadas) e sem pagar nenhum intermediário, nenhum frete, nenhum pedágio e nenhum imposto aos governos, adotar a medida inteligente de……
b) …… ”vender” essas rações diretamente às suas vacas leiteiras, aos seus suínos, às suas cabras, às suas ovelhas e às suas aves.
Ao adotar as medidas sugeridas nos itens a e b recém descritas, as riquezas que os produtores rurais geram nas suas propriedades seriam retidas/apropriadas pelos próprios agricultores e não por quem faz a intermediação, cobra os impostos, os fretes e os pedágios. Adicionalmente, estas riquezas circulariam, principalmente, dentro das comunidades e municípios rurais, gerando investimentos e empregos em beneficio da população rural. É necessário advertir os produtores rurais de que esses longos e caros "passeios", de ida e de volta, são incoerências que eles não devem continuar cometendo nem aceitando. Especialmente, se considerarmos que o componente alimentação corresponde a 50% do custo de produção leiteira e até por 80% do custo da produção de aves e de suínos. Este incremento irracional e desnecessário no custo das rações (e consequentemente no custo de produção de leite, suínos, aves e ovos) é o principal responsável pela crescente falta de rentabilidade dos produtores rurais que se dedicam à essas três atividades. Essa distorção poderia e deveria ser imediatamente corrigida pelos próprios produtores, com a condição de que fossem devidamente orientados por um extensionista competente.
3) Depois da colheita as próprias famílias rurais poderiam agregar valor aos seus produtos agrícolas e pecuários. Em vez de delegar a execução completa das etapas mais rentáveis do agronegócio (processamento e comercialização) aos agroindustriais, intermediários e redes de supermercados, os agricultores poderiam executar algumas delas e obter melhores preços no momento de comercializar seus produtos. Medidas tão elementares como, por exemplo, lavar, classificar, fracionar e embalar as frutas e hortaliças, as raízes, os tubérculos e os grãos, ou produzir queijos, frutas secas, marmeladas, doce de leite, queijos artesanais, linguiças, presuntos e outros embutidos.
Além das três medidas recém propostas, muitíssimas outras soluções estão amplamente descritas nos textos gratuitos, disponíveis nas páginas web www.PolanLacki.com.br e www.PolanLacki.com.br/agrobr . Não as descrevo para não alongar excessivamente este texto.
Uma medida cada vez mais imprescindível: produzir mais e melhor com menos recursos
As vantagens da adoção das três medidas recém propostas, anteriores à semeadura e posteriores à colheita, são evidentes. No entanto, elas não terão toda a eficácia desejada e possível se, na etapa de produção propriamente dita os agricultores continuarem colhendo 800 quilos de feijão, 2.300 quilos de trigo e 3.500 ou 4.000 quilos de milho por hectare, se suas matrizes continuarem desmamando 12 ou 15 leitões ao ano e se cada uma de suas vacas continuar requerendo um hectare de terra para produzir 4 litros de leite ao dia e parir um bezerro a cada 18 ou 20 meses (estas são as médias da maioria dos nossos produtores rurais). Adotando o princípio da “gradualidade” na introdução de tecnologias estes rendimentos agrícolas e indicadores zootécnicos poderiam ser duplicados, triplicados e, em certos casos, até quadruplicados ou quintuplicados, tal como já fizeram e continuam fazendo muitos produtores rurais eficientes do Brasil e da América Latina. Não podemos subestimar a realidade concreta de que a grande maioria dos nossos produtores rurais possui pouca terra, poucos animais, pouca maquinaria e escassos recursos financeiros para adquiri-los em maior quantidade. É devido a estas restrições que os agricultores e pecuaristas estão sendo "obrigados" a produzir mais e melhor com menos recursos, incorporando tecnologias para aumentar a produtividade e o rendimento de todos os fatores de produção disponíveis em suas propriedades (mão de obra, terra, animais, maquinaria, etc.).
E para encerrar, se este artigo não lhe agradou, peço desculpas. Entretanto, se lhe agradou, solicito a gentileza e generosidade de difundi-lo amplamente; com a finalidade de que muitas outras pessoas também possam lê-lo. Críticas ao conteúdo do artigo serão bem-vindas através do e-mail PolanLacki@terra.com.br
2 comentários:
Uma ótima reflexão sobre a realidade dos agricultores, e infelizmente o que podemos deduzir é que os nossos agricultores não tem a consciência do trabalho coletivo, até porque não há interesses que isto aconteça, porque existem interesses maiores para que estes "intermediários" permaneçam e nesta cadeia que se instala, a maior parte do lucro fica com os que "não produzem", o agricultor ganha pouco e o consumidor que é o último da cadeia, paga caro pelo lucro indevido dos que são parasitas do trabalho alheio! É preciso ensinar e incentivar para que eles aprendam sobre o trabalho coletivo, porque assim extingue-se os "parasitas" e teremos a reversão desta situação!!
Muito boa esta explanação que nos traça o círculo produtivo e o que leva à oneração do produto final junto ao consumidor. Uma reflexão que nos leva a podar percalços, às vezes até aparentemente insignificantes, que aumentam o custo final do produto: a perda de tempo, a falta de delegação, a ausência de informações e certos contatos que poderiam ser feitos por um office-boy.
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