Colunista:Samuel Gomes
“A pior cegueira é a que acomete os que têm por dever ser os olhos da República.” Padre Antonio Vieira, Lisboa, 1669.“Uma mente que se abre para uma nova idéia, nunca retorna ao seu tamanho original.” Einstein
O desenvolvimento equilibrado e justo do Brasil e América do Sul exige integração física e transporte barato e dotado de eficiência operacional, energética e ambiental. Esta evidência está na gênese da decisão dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, tomada sob a égide do Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul – CODESUL, de constituir a Ferrovia da Integração do Sul S/A – FERROSUL, a partir da transformação da estatal paranaense Estrada de Ferro Paraná Oeste S/A – FERROESTE numa empresa pública multifederativa. As manifestações favoráveis ao projeto dos novos governadores e parlamentares estaduais e federais apontam para a sua consolidação a partir de 2011.
A FERROSUL surge para planejar, construir e operar ferrovias e sistemas logísticos nos quatro estados do CODESUL. A participação acionária do governo federal no empreendimento deve dar-se através da empresa federal VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias S/A, vinculada ao Ministério dos Transportes, que já é sócia da FERROESTE. O desenho estratégico do projeto preconiza ainda a forte participação do Exército em todas as fases de construção da ferrovia, como ocorreu na FERROESTE. A novidade é que, além de construir as ferrovias da FERROSUL, o Exército ficará responsável pela sua posterior manutenção, o que assegurará maior longevidade para a infraestrutura.
À nova empresa caberá construir e operar a projetada malha de cerca de 3.300 km de novas e modernas ferrovias eletrificadas em bitola mista para o transporte de cargas e de passageiros. Com isso, nasce um novo e poderoso instrumento para a geração de integração e desenvolvimento na região Sul e Centro do Brasil e países vizinhos, especialmente o Paraguai e Uruguai, bem como para a realização do sonho de ligar o Atlântico ao Pacífico por trilhos.
A FERROSUL é um caminho de integração para o desenvolvimento e a paz. No Cone Sul os caminhos da integração vêm de séculos. O explorador Cabeza de Vaca, em 1541-42, antes dele o português Aleixo Garcia, 1521-23, e, antes de qualquer branco, as tribos indígenas da América do Sul, percorreram o Caminho do Peabiru entre o litoral do Atlântico Sul e os Andes. No século XVII, o tropeirismo expandiu a integração física a serviço da dominação ibérica sobre o continente sul-americano. Os animais de tropas, antes reproduzidos apenas na Europa, passam a ser criados nos pampas argentinos, uruguaios e brasileiros, pela associação de jesuítas e índios nas Missões, sendo sua comercialização realizada em feiras, a primeira delas na cidade argentina de Salta, ao pé dos Andes.
No Brasil, no século XVIII, o crescimento da economia colonial provocado pela descoberta de ouro em Minas Gerais desenvolveu novos caminhos para abastecer com produtos do Rio Grande do Sul, especialmente muares, os centros urbanos do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Nasceram assim os caminhos de tropas brasileiros: Caminho de Vacaria, Caminho das Missões e o Caminho de Viamão, que desenvolveu o Sul e o ligou ao Centro do Brasil para abastecer de animais as grandes feiras, dentre as quais a famosa feira anual de Sorocaba. As ferrovias buscaram atender este objetivo de integração, com algum êxito, no século XIX e quase todo o século XX, até sua privatização em 1997, quando deixaram de se submeter a um projeto nacional, convertendo-se em meros centros de reprodução do capital.
Para a sua adequada configuração institucional, administrativa e operacional, a FERROSUL conta com as lições da história. Os equívocos do Estado brasileiro na modelagem da construção e operação das ferrovias se iniciaram na Regência e se repetiram no Império e na República. O país ainda sofre com o mais recente destes erros, o da privatização predatória de FHC, agravado pela subseqüente flacidez fiscalizatória e regulatória da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, que apequenou os interesses nacionais à lógica sem pátria do monopólio privado.
Ferrovias são monopólios naturais. A ciência econômica ensina e a história comprova que em monopólios naturais não há competição. Por isso, não podem ser deixados “ao livre jogo das forças do mercado”. Não tem jogo. Ou o Estado defende os produtores e a sociedade ou o “jogo” é imposto pelo monopólio privado que se adona da infra-estrutura ferroviária e a coloca a serviço exclusivo da geração dos maiores lucros para os acionistas na bolsa. Para lucrar o máximo o monopólio privado promove o sucateamento e abandono de milhares de quilômetros de linhas, empobrece regiões inteiras no interior, estabelece condições absurdas para os agentes econômicos que dependem do transporte ferroviário, descumpre impunemente contratos, fixa fretes indecentes para o trem com base no que cobra o caminhão, reduz irresponsavelmente investimentos na manutenção do patrimônio construído com o dinheiro público. Como resultado, a infra-estrutura deixa de atender ao interesse nacional de gerar integração e desenvolvimento econômico e social em todo o nosso vasto território.
Após longa letargia, a sociedade reage com a adequada firmeza contra os abusos dos monopólios privados. CPIs são criadas, decisões judiciais favoráveis ao Ministério Público Federal na defesa do patrimônio público e dos interesses difusos das populações atingidas vêm à luz, manifestações de indignação de produtores, governadores e parlamentares são quase diárias. O amplo movimento pela criação da FERROSUL é a parte propositiva da reação da sociedade à degradação e abandono das ferrovias no Sul do Brasil. Por isso, congrega de modo tão abrangente as forças produtivas, trabalhadores, políticos, universidades. Os novos governadores, os parlamentares e a presidente Dilma têm a oportunidade de consolidar o projeto. A esperança é que tenham a necessária visão estratégica, espírito público e coragem. Com isso, ganham o Brasil e a América do Sul.
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