A revelação do abuso pela criança gera uma crise familiar, porém este não é o único dano gerado em consequência do abuso sexual infantil. Segundo a doutrina, há os danos primários e os danos secundários.
De acordo com Tilman Furniss, o dano primário decorre do próprio abuso, ao passo que o dano secundário decorre da intervenção profissional. Na definição de Veleda Dobke, o dano primário é “o dano causado pelas diferentes etapas de desenvolvimento do abuso, ou seja, pela fase da sedução, da interação sexual abusiva e do segredo”. A autora conceitua como dano secundário “aquele causado por fatores diversos e subsequentes ao abuso”, ou seja, não é somente o abuso que causa danos à vítima, visto que também podem ocorrer danos no pós-abuso, dependendo do tratamento profissional dado quando a notícia vem à tona.
O dano secundário e a vitimização das crianças que sofreram abuso sexual ocorrem em cinco diferentes níveis: da estigmatização social, da traumatização no processo interdisciplinar, da traumatização no processo família-profissional, da traumatização no processo familiar e da traumatização no processo individual. Assim, dada a sua importância, passa-se à análise de cada um desses níveis de danos secundários.
A estigmatização social ocorre pela reação de vizinhos, de outros familiares, da escola etc. A criança ou a família acaba se tornando socialmente estigmatizada por estas pessoas. Ademais, a criança pode sofrer o peso da separação familiar (ocorrida quando o abusador deixa o lar ou vai para a prisão) e as consequências dela geradas, como eventuais dificuldades financeiras, por exemplo. Já a traumatização no processo interdisciplinar é a perturbação causada na criança, em virtude dos conflitos que ocorrem nas instituições e na rede profissional que a atendem. Nesse sentido, a falta de adequação do sistema legal às necessidades protetivas da criança/adolescente pode produzir-lhe grave trauma secundário.
Em relação à traumatização no processo família-profissional, decorre da escolha profissional interventiva e da intervenção pela família ou membros dela. Assim, o profissional interventor pode escolher uma forma não adequada de intervenção ou a família (ou seus membros) impedir que alguma espécie de intervenção seja aplicada, criando um dano secundário à criança.
Quanto à traumatização no processo familiar, o descrédito ao relato da criança e a negação por parte do abusador ou outro membro da família, no caso de não restar comprovada a ocorrência do abuso, causam o dano. Além disso, pode ocorrer de os familiares castigarem ou acusarem a criança de ser a causa dos problemas da família por conta da revelação.
Finalmente, na traumatização no processo individual, a criança induz ao dano secundário por seu próprio comportamento, provocando rejeição, punição ou novo abuso. Isso porque a criança abusada pode apresentar comportamento sexualizado ou vitimizado, colocando-se em posição de maior vulnerabilidade e incapacidade de proteção das consequências.
Portanto, percebe-se que a vitimização da criança abusada sexualmente pode se dar em diversos níveis, o que leva a concluir que os danos secundários produzem efeitos ainda mais graves e negativos do que os danos produzidos concomitantemente à prática abusiva. Nesse prisma, é preciso que os profissionais que atuam na área estejam capacitados e instruídos para evitar ao máximo a ocorrência destes danos. Na mesma linha, o sistema judicial deve estar preparado para lidar com a vítima infante, de forma a primar pela sua proteção e minimização de danos.
Autor: Paulo César Ribeiro Martins
Doutor em Psicologia pela PUCCAMP
Prof. da UEMS/FIPAR – Paranaíba-MS
De acordo com Tilman Furniss, o dano primário decorre do próprio abuso, ao passo que o dano secundário decorre da intervenção profissional. Na definição de Veleda Dobke, o dano primário é “o dano causado pelas diferentes etapas de desenvolvimento do abuso, ou seja, pela fase da sedução, da interação sexual abusiva e do segredo”. A autora conceitua como dano secundário “aquele causado por fatores diversos e subsequentes ao abuso”, ou seja, não é somente o abuso que causa danos à vítima, visto que também podem ocorrer danos no pós-abuso, dependendo do tratamento profissional dado quando a notícia vem à tona.
O dano secundário e a vitimização das crianças que sofreram abuso sexual ocorrem em cinco diferentes níveis: da estigmatização social, da traumatização no processo interdisciplinar, da traumatização no processo família-profissional, da traumatização no processo familiar e da traumatização no processo individual. Assim, dada a sua importância, passa-se à análise de cada um desses níveis de danos secundários.
A estigmatização social ocorre pela reação de vizinhos, de outros familiares, da escola etc. A criança ou a família acaba se tornando socialmente estigmatizada por estas pessoas. Ademais, a criança pode sofrer o peso da separação familiar (ocorrida quando o abusador deixa o lar ou vai para a prisão) e as consequências dela geradas, como eventuais dificuldades financeiras, por exemplo. Já a traumatização no processo interdisciplinar é a perturbação causada na criança, em virtude dos conflitos que ocorrem nas instituições e na rede profissional que a atendem. Nesse sentido, a falta de adequação do sistema legal às necessidades protetivas da criança/adolescente pode produzir-lhe grave trauma secundário.
Em relação à traumatização no processo família-profissional, decorre da escolha profissional interventiva e da intervenção pela família ou membros dela. Assim, o profissional interventor pode escolher uma forma não adequada de intervenção ou a família (ou seus membros) impedir que alguma espécie de intervenção seja aplicada, criando um dano secundário à criança.
Quanto à traumatização no processo familiar, o descrédito ao relato da criança e a negação por parte do abusador ou outro membro da família, no caso de não restar comprovada a ocorrência do abuso, causam o dano. Além disso, pode ocorrer de os familiares castigarem ou acusarem a criança de ser a causa dos problemas da família por conta da revelação.
Finalmente, na traumatização no processo individual, a criança induz ao dano secundário por seu próprio comportamento, provocando rejeição, punição ou novo abuso. Isso porque a criança abusada pode apresentar comportamento sexualizado ou vitimizado, colocando-se em posição de maior vulnerabilidade e incapacidade de proteção das consequências.
Portanto, percebe-se que a vitimização da criança abusada sexualmente pode se dar em diversos níveis, o que leva a concluir que os danos secundários produzem efeitos ainda mais graves e negativos do que os danos produzidos concomitantemente à prática abusiva. Nesse prisma, é preciso que os profissionais que atuam na área estejam capacitados e instruídos para evitar ao máximo a ocorrência destes danos. Na mesma linha, o sistema judicial deve estar preparado para lidar com a vítima infante, de forma a primar pela sua proteção e minimização de danos.
Autor: Paulo César Ribeiro Martins
Doutor em Psicologia pela PUCCAMP
Prof. da UEMS/FIPAR – Paranaíba-MS
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