quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O DESCONHECIDO TEXTO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

(Reinaldo Azambuja*)

Há uma história antiga que traduz com perfeição a avalanche de críticas que o novo texto do Código Florestal vem recebendo.

Dizem que o famoso pintor grego Apeles, retratista oficial de Alexandre Magno “O Grande”, costumava expor suas pinturas na porta de seu ateliê, para assim observar a reação dos passantes. Certo dia notou que um sapateiro examinava o pé de uma figura.

Ficou atento à curiosidade do “crítico de plantão” e perguntou o que tanto atraiu sua atenção. O sapateiro, expert no assunto, comentou que Apeles tinha se enganado quanto à fivela da sandália. O pintor agradeceu o comentário proveitoso, elogiou a perspicácia do profissional e apressou-se a corrigir o erro. Porém, o sapateiro - como todo vaidoso - não se conteve e passou a fazer outros “reparos”, agora no quadro por inteiro. Apeles, por sua vez, repudiou a postura atrevida com uma frase que se tornou famosa: “Sapateiro, não vá além da sandália!”

Postura parecida tem sido adotada por muitos que, mesmo sem nunca ter lido o novo texto do Código Florestal, passaram a fazer uma panaceia sobre as mudanças que o novo texto quer implantar. Sem levar em consideração que a atual normal legal está em vigência desde setembro de 1965, quando a realidade agropecuária do Brasil era outra, as críticas ganham tons cada vez mais severos e equivocados. Segundo o Deputado Aldo Rebelo, relator do substitutivo aprovado na Câmara Federal, “Isso acontece porque, lamentavelmente, a maioria dos críticos desconhece o texto do Código e a legislação em vigor. Nem sequer sabem da existência desse decreto do qual estou falando. Então, acaba sendo um debate difícil de ser travado, já que não é um debate contra um argumento, e sim contra uma desinformação.”

Na verdade, a grande maioria dos críticos do novo Código Florestal nunca leu as mudanças que a nova lei pretende implantar. Entretanto, apesar das inverdades e dos erros de seus argumentos, muitos vislumbram uma grande oportunidade de brilhar sob a luz dos holofotes. Segundo a Senadora Kátia Abreu, “Tornaram-se o que se pode chamar de conservadores da era pós-moderna. Para eles, o que importa é recriar ambientes naturais que existiam antes do capitalismo moderno. No fundo, a atual luta dos ambientalistas contra os produtores brasileiros é apenas um capítulo de sua guerra contra as formas de viver e de produzir que a ciência e a tecnologia permitiram, e que os homens naturalmente escolheram. Essa visão tem graves consequências éticas, uma vez que implica limitar o jogo do consumo quando a grande maioria da humanidade ainda vive com baixa qualidade de vida e bem-estar”.

A liberdade de expressão, incluindo o direito de divergir e criticar, é a base do estado de direito democrático, do qual somos defensores intransigentes. Entretanto, só deve criticar quem tem soluções para o erro apontado. Críticas fora do alcance do conhecimento só para o sapateiro grego. Criticar, por criticar, no vazio da realidade, não é de boa índole e nem encontra eco na ética que deve existir nas relações sociais. Segundo posição de Modesto Freitas, “para cobrar, os cidadãos deviam estar minimamente informados do que está se passando, começando pela leitura do PL aprovado. As regras mudaram muito pouco para a grande agricultura. Onde houve a maior comoção foi com as regras para APPs, que notadamente foram ocupadas por pequenos agricultores, marginalizados. Estes estão voltados para o mercado interno: leite, frutas, hortaliças, feijão.”

Será que essa maioria, que compõe a “escola de detratores” do novo texto, (incluindo aqui a Ministra do Meio Ambiente, que quer “vetar” (sic) o novo Código Florestal) já plantou pelo menos uma árvore na vida? Será que no seu quintal existe uma vegetação bem cuidada? Ou mora em apartamento e nunca regou um vaso de flor? Será que demonstra o mesmo senso crítico em relação às árvores que enfeitam as ruas de sua casa? Será que separa o lixo reciclável do seu lar? Será que sabe a diferença entre uma castanheira e um pé de soja? Será que sabe a importância do agricultor para o Brasil? Não! É muito mais fácil repreender o agropecuarista, como se ele fosse o grande e único responsável pelo desequilíbrio ambiental. Ninguém se lembra de que os veículos são grandes poluidores e que a especulação imobiliária irresponsável foi (e continua sendo) a mais eloquente autora das criminosas invasões nas áreas de proteção permanente, em especial, pela devastação do que resta da Mata Atlântica. É mais fácil criticar quem planta, quem sofre pelas intempéries, amargando vultosos e irreparáveis prejuízos e, mesmo assim, continuam produzindo alimentos para saciar a mesa, até mesmo dos que os criticam, para aplacar a fome do mundo e enriquecer as divisas brasileiras.

O atual Código Florestal vige desde setembro de 1965 e sofreu várias alterações ao longo dos anos, tornando-se uma “colcha de retalhos” de difícil aplicabilidade. Assim, o Congresso vem tentando dar uma nova roupagem ao texto há mais de uma década, culminando com o substitutivo de Aldo Rebelo, cujo texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está sendo analisado pelo Senado. A atual proposta não é fruto de uma ideologia isolada, nem de uma política de devastação. Foi efetivada com base nas pesquisas feitas na área de biologia, ecologia, hidrologia, pedologia, meteorologia e outras tantas áreas do conhecimento que confirmaram, nos últimos 30 anos, a importância de manutenção de florestas para se manter as fontes de água, o controle das chuvas, evitar as erosões dos morros e as enchentes catastróficas. Em carta enviada ao jornal Folha de São Paulo, o leitor Ciro Siqueira elucida: “É consenso que o Código Florestal vigente precisa de uma revisão. Mas ninguém discute isso hoje, depois que o próprio processo de revisão retirou a capa de mentiras, muitas das quais sustentadas por jornais como o seu, que escondia uma lei que indiscutivelmente precisa de revisão sob a miragem de que tínhamos “a legislação ambiental mais moderna do planeta”. O Brasil precisa de uma legislação moderna, que concilie preservação e produção. E tem potencial para as duas coisas. Mas a atualização do Código Florestal depende, também, de uma imprensa que possa pensar por si mesma, de jornais que consigam ser imparciais ao invés de apenas regurgitarem pautas alheias”.

Aderimos, enfim, à posição do Deputado Aldo Rebelo: “O nosso esforço é para compatibilizar a proteção do meio ambiente com a proteção da agricultura. Não temos nenhum interesse, nenhum motivo em criar incompatibilidade entre agricultura e meio ambiente. Como se para proteger a agricultura tivéssemos que renunciar ao meio ambiente ou, para proteger o meio ambiente, tivéssemos que abrir mão da agricultura. Isso não existe. Do ponto de vista da população e de seus interesses, as duas coisas precisam ser levadas em conta na mesma intensidade.”
Há que se admitir que trata-se de tema polêmico que, em muitos pontos, desperta posições antagônicas, ainda mais quando o governo diz que o Brasil tem potencial para dobrar sua produção agrícola nos próximos 15 anos. No atual contexto, duas vertentes de atitudes florescem: de um lado, a ideologia ambientalista e, de outro, a necessidade de produção, de forma consciente e ambientalmente correta. Conciliar esse aumento de produção com a preservação do meio ambiente é um dos maiores desafios dos envolvidos no contexto, embora não seja impossível. O bom senso nos avisa que, numa briga de elefantes, quem mais sofre é a grama. Por conseguinte, o ideal só será alcançado pela união da teoria com a prática, do sonho ambientalista com a responsabilidade dos produtores rurais.

Afinal, abstraindo-se das posturas radicais e da ortodoxia, são os agropecuaristas os que melhor sabem que o sucesso da sua produção está umbilicalmente atrelado ao ambiente ecologicamente correto. Do fruto do seu trabalho decorre a mitigação da fome de 7 bilhões de bocas, ansiosas pelos alimentos que lhes garantam a sobrevivência. O mundo tem fome e o Brasil é o grande celeiro. É possível imaginar a Terra sem o agricultor? Enquanto perdurar a discussão acadêmica e retórica, aos críticos desavisados, que não conhecem o novo texto do Código Florestal, um aviso de Apeles: “Não vá além da árvore plantada em frente à sua casa, ou da floreira do seu apartamento (se é que as possui)”.


* Deputado Federal pelo PSDB/MS – Membro Titular da Comissão Permanente de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; Membro da Câmara de Negociação do Código Florestal e Presidente da Subcomissão Especial para tratar das assimetrias do Mercosul em relação aos produtores brasileiros e aos do Bloco Econômico – SUBMERCO, na CF

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